quarta-feira, 20 de abril de 2011

UMA QUESTÃO DE ESCOLHA

No artigo anterior, tratamos dos verbos abundantes: aqueles que têm duas formas para um mesmo tempo, o que ocorre, principalmente, com o particípio. Podemos encontrar, portanto, na língua portuguesa, verbos que apresentam o particípio regular (com terminação “ado” ou “ido”) e o irregular. Hoje, quero fazer algumas considerações a respeito de certos verbos, uma vez que o emprego do particípio traz dúvidas quanto à forma adequada ao contexto.
O grupo é constituído de três verbos: ganhar, gastar e pagar. Como os demais verbos abundantes, eles podem aparecer nas duas formas do particípio: ganhado/ganho; gastado/gasto; pagado/pago. No dia a dia, é muito comum as pessoas não empregarem a forma regular, por acreditarem ser inexistente no Português. Entretanto, para esses verbos, o uso do particípio regular ou irregular também segue a regra geral: está associado ao auxiliar que os acompanha. Assim, com “ter” e “haver”, emprega-se o particípio regular (ganhado, gastado e pagado) e, com “ser” e “estar”, o irregular (ganho, gasto e pago). Desse modo, temos, por exemplo: “Ele tinha/havia ganhado na loteria, por isso estava eufórico.” e “O carro foi ganho numa rifa.”; “Eu já tinha/havia gastado todo o dinheiro, quando me lembrei daquela prestação.” e “Com o defeito, o pneu do carro foi gasto rapidamente.”; “Ela tinha/havia pagado todas as prestações de sua casa e, em breve, teria a escritura definitiva.” e “A minha casa já está paga há anos.”.
Esses três verbos, porém, apresentam uma peculiaridade: além de terem seus particípios construídos segundo a regra geral, podem ser empregados exclusivamente na forma irregular, independentemente do auxiliar. Como uma escolha linguística não está pautada somente na prescrição de uma norma, mas também no uso consagrado pelos falantes – e um reflexo disso é o emprego dentro da mídia falada e escrita –, estatisticamente, há a preferência do particípio irregular desses verbos. Portanto outra opção que temos é usar sempre as formas ganho, gasto e pago com qualquer auxiliar: “tinha/havia ganho na loteria”; “tinha/havia gasto todo o dinheiro”; “tinha/havia pago todas as prestações”.
Em resumo, para esse trio, não há problema em usar o particípio regular: ele existe e é correto! Agora, se quisermos empregar exclusivamente o irregular, podemos fazê-lo sem dúvidas.
Como podemos perceber, não é à toa que esses verbos foram classificados como “abundantes”. Além de as normas gramaticais indicarem a duplicidade de seus usos, nós, falantes, ainda temos a possibilidade de escolher entre as formas oferecidas pela língua. Assim como é muito bom abrir o armário e encontrar várias opções de roupas para os possíveis eventos de que podemos participar, esses verbos nos proporcionam a ótima sensação de “abundância”, de “riqueza” linguística. Aproveitem, que é de graça!
(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, Cabo Frio, 03-10-2009, p.4)