quinta-feira, 29 de abril de 2010

ASSOAR, SOAR E SUAR

Muitas vezes, a relação entre a forma de uma palavra e seu significado é desconhecida dos falantes. Isso provoca algumas situações de trocas que trazem confusão. Um trio traiçoeiro são os verbos assoar, soar e suar.
A semelhança sonora entre essas palavras é tanta, que pode levar um usuário menos atento a acreditar que haja uma só forma. Podemos chegar a essa conclusão com base numa análise bem simples. O “o” fechado em sílaba átona (fraca, sem tonicidade), de maneira geral, é pronunciado como “u”. É justamente esse o caso de boate (=“buate”), pessoal (=“pessual”) e pano (=”panu”), por exemplo. Partindo desse raciocínio, as formas soar e suar ficam, na fala, reduzidas a somente uma: “suar”. O mesmo fenômeno ocorre em assoar, que, no discurso oral, acaba por ser falado “assuar”. Como o “a” inicial da palavra é articulado de um modo bem frágil, ele acaba, em determinadas ocasiões, sendo eliminado na fala espontânea, restando, então, apenas “suar”. Consequência desses processos: o uso inadequado na hora de conjugá-los.
Segundo definição encontrada em dicionário da língua portuguesa, assoar se refere ao ato de “limpar o nariz de mucosidade”, ou seja, “limpar-se do muco nasal, fazendo sair o ar com força pelas narinas”. Numa situação como essa, devemos, por exemplo, dizer: “Preciso ir ao banheiro para assoar o nariz.” E, assim como o verbo abençoar em “Eu o abençoo.” e “Ele o abençoa.”, o correto é “Quando estou resfriado, eu assoo o nariz toda hora.” e “Quando ele está resfriado, assoa o nariz toda hora.”
O verbo soar já significa “emitir ou produzir som, retumbar, ecoar”. Deve ser empregado da mesma forma que assoar. Podemos exemplificar seu uso com as frases: “Se o alarme soar, avise-me imediatamente.”, “Quando soo esse ruído, todos se assustam.” e “O sino da igreja sempre soa a essa hora.” Logo devemos observar que, ao conjugarmos os verbos assoar e soar dessa forma, a pronúncia do “o” fechado deve ser preservada, caso contrário será confundido com o verbo suar.
A forma verbal suar, por sua vez, relaciona-se, especificamente, à ação de “transpirar, verter suor pelos poros”. Quando conjugado, o “u” deve ser pronunciado normalmente, do mesmo modo que fazemos com o verbo atuar, por exemplo. Assim como dizemos “Eu atuo bem” e “Ele atua bem.”, temos, para o verbo suar: “Eu suo muito.” e “Ele sua muito.”
É necessário, portanto, um pouquinho mais de atenção no emprego desses verbos, a fim de, além de não mudar seus significados, não trocar suas conjugações. Uma boa estratégia para não haver essas confusões é associá-los a outras formas verbais semelhantes.
(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 486, Cabo Frio, sábado, 22-8-2009, p.4)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

RATIFICAR E RETIFICAR

Na língua portuguesa, existem palavras que apresentam semelhança na grafia e na pronúncia, o que, muitas vezes, gera confusão na hora de empregá-las. De modo geral, isso se deve pela existência de uma letra diferente apenas. Essa minúscula distinção, no entanto, é responsável por uma mudança expressiva de significado.
Um caso bem interessante diz respeito às palavras ratificar e retificar. A simples troca do “a” pelo “e” faz com que seus significados sejam completamente diferentes. Usar essas formas verbais indistintamente pode trazer problemas de entendimento.
Por exemplo, vamos imaginar que um indivíduo tenha recebido uma solicitação do responsável pelo departamento pessoal de sua empresa para verificar se o endereço que consta na sua ficha cadastral está correto ou não. Qual das seguintes frases poderia ser dita pelo funcionário? “Preciso ratificar meu endereço.” ou “Preciso retificar meu endereço.”? Resposta: depende do seu objetivo, uma vez que as sentenças têm informações distintas. Caso o endereço esteja correto, a primeira sentença é a adequada à situação comunicativa. Se, porém, o endereço estiver desatualizado, o empregado deve optar pela segunda. Isso acontece, porque o verbo ratificar significa “confirmar”, “validar o que foi feito ou prometido”, “comprovar”. Sendo assim, o endereço deveria ser “ratificado” (confirmado), sofrer “ratificação” (confirmação). Já a forma verbal retificar tem como significado “corrigir”, “emendar”. Logo o endereço teria que ser “retificado” (corrigido), sofrer “retificação” (correção).
A origem de tais palavras explica essa diferença. Embora os elementos iniciais de composição tenham a mesma origem, o latim, seus significados são distintos. Ratificar surgiu da união de “rat(i)-”, em que um dos significados é “confirmado”. Retificar, por sua vez, tem na sua composição “reti-”, cujo significado é “reto”, “direito”.
(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 485, Cabo Frio, sábado-domingo, 15-8-2009, p.4)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

EM VEZ DE ou AO INVÉS DE?

Hoje, vamos tratar de outra dúvida muito frequente no que diz respeito ao emprego adequado do vocabulário da língua portuguesa. Você conhece a diferença entre as expressões em vez de e ao invés de? Pois é, além da semelhança sonora, elas são muitas parecidas na escrita. Essa característica deixa muitas pessoas confusas quanto ao seu uso (isso quando chegam a pensam no caso) ou (o que é mais comum) julgam-nas equivalentes, não fazendo distinção alguma ao empregá-las.
Podemos começar a fazer a diferença entre elas, com a consulta ao dicionário. Nele, constatamos que a estrutura em vez de tem seu significado centrado na palavra “vez”, cuja origem é a forma latina “vice”, a qual nos traz a ideia de “substituição”; afinal, “vice-presidente” é aquele que substitui o presidente, que faz a “vez” dele, na sua ausência ou seu impedimento. Inclusive, uma das significações dessa palavra diz respeito à “ocasião ou oportunidade que cabe a cada um, dentro de uma sequência estabelecida; turno, hora”. Ou seja, há a alternância de algo sobre outro, uma coisa no lugar de outra. Isso nos leva ao entendimento de que seu uso deve ser feito, preferencialmente, para expressar essa noção. Sendo assim, quando dizemos “Em vez de carne, hoje pretendo comer peixe.”, compreende-se perfeitamente que um (peixe) será ingerido no lugar do outro (carne).
De acordo com os gramáticos, seu uso pode ser ampliado para contextos em que haja uma ideia de oposição, como, por exemplo: “Em vez de triste, mostrou-se feliz com o adiamento da entrevista de emprego.”. Nessa frase, é possível resgatar a ideia de substituição, entendendo-se que o estado de felicidade assumiu o lugar do de tristeza.
Agora, atenção: a expressão ao invés de tem emprego restrito. Voltando ao nosso valioso dicionário, chegamos à informação de que a palavra “invés” entrou na língua portuguesa como uma modificação de “inverso”, o que, porém, não interferiu no significado original: “lado oposto”, “avesso”. Logo ao invés de quer dizer “ao contrário de”; “ao revés de”. O resultado disso é que seu uso está diretamente associado à ideia de contrariedade, de oposição entre duas informações. No segundo exemplo, seu emprego é permitido: “Ao invés de triste, mostrou-se feliz com o adiamento da entrevista de emprego.”. É possível observar claramente que “triste” apresenta significado oposto a “feliz”. Com isso, a expressão ao invés de foi empregada de forma adequada na frase, já que seu sentido original mantém-se preservado. Quanto ao primeiro, a troca não seria aceita, pois não há oposição entre os elementos envolvidos: “peixe” não é o contrário de “carne”. Justamente por esse motivo, não seria possível o emprego de ao invés de na frase.
De modo resumido, podemos concluir: em vez de pode ser usado para as noções de “substituição” e de “oposição”, ao passo que ao invés de deve expressar, rigorosamente, a ideia de “oposição”. Como muito se disse por aí, “cada um no seu quadrado”!

(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V, nº 497, Região dos Lagos, sábado e domingo, 7/8-11-2009, p.4)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

“GRAMA”: MASCULINO OU FEMININO?



Os nomes podem aparecer no masculino ou no feminino. Uma das formas de termos certeza disso é usarmos o artigo antes deles. “Mesa” é um substantivo feminino, porque só admite o artigo feminino antes dele (“a mesa”); já “telhado” é masculino, pois só o artigo masculino pode antecedê-lo (“o telhado”). Essa regra funciona bem para a identificação do gênero da palavra.
Na nossa língua, existe um caso bem interessante em que o uso do gênero masculino ou feminino provoca uma mudança de significado da palavra. Quando dizemos “A minha cabeça está doendo.”, temos “cabeça” como um nome feminino, significando “parte do corpo”. Na frase “Ele é o cabeça do grupo”, a presença do artigo masculino “o” antes do nome muda seu sentido para “líder”. Isso também ocorre com a palavra “cobra”. Em “A cobra foi encontrada dentro da casa.”, estamos nos referindo ao “animal ofídio”, mas, em “Ele é o cobra da turma.”, o substantivo diz respeito a um “especialista em determinada atividade”.
Uma palavra muito usada no nosso dia a dia é “grama”. Podemos empregá-la para nos referir à “relva” encontrada nos quintais de muitas casas ou à unidade de peso atestada pelas balanças espalhadas pelo comércio e também residências. Acontece que essa palavra tem sentido determinado pelo artigo que a antecede. Para o primeiro caso, temos “a grama”, como em “A grama precisa ser aparada.”; para o segundo, “o grama”, como em “Quanto está o grama do ouro?”. Isso se deve ao fato de, na realidade, constituírem palavras distintas, uma vez que têm origens diferentes: o nome feminino vem do latim “gramen”, já o nome masculino deriva do grego “grámma”.
Geralmente, o falante não apresenta dúvidas com o uso de “grama” no feminino. O problema está no uso do masculino. É muito comum ouvirmos, numa compra no supermercado, por exemplo, a pergunta: “Quantas gramas de presunto você quer?” E, em seguida, a resposta: “Quero duzentas gramas de presunto, por favor!”. Entretanto, nesse diálogo, o correto seria dizer “Quantos gramas de presunto você quer?” e “Quero duzentos gramas de presunto, por favor.”. Assim como a palavra “quilo”, “grama”, como unidade de peso, deve ser empregado com o artigo ou o numeral no masculino: “o quilo/o grama”, “dois quilos/dois gramas”.
Sendo assim, nesse caso específico, é preciso saber exatamente do que está se falando para usar o determinante (artigo ou numeral) adequado. Ainda que boa parte das pessoas desconsidere essa diferença nas situações cotidianas, precisamos valorizar a qualidade da comunicação, fazendo acertadamente as combinações entre os vocábulos de uma frase. Se o sentido da palavra muda de acordo com essa construção, é óbvio que o conteúdo da mensagem também se altera, o que, por vezes, traz prejuízos à clareza da informação.
(Coluna “No quintal das palavras”. Artigo publicado no Lagos Jornal, Ano V,Cabo Frio, quinta-feira, 2009, p.4)